Petrus Hispanus ou Pedro Hispano

Pedro Hispano, ou Pedro Julião, nasceu em Lisboa em 1216, ou em 1218, segundo outras fontes. Foi bispo de Túsculo e mais tarde tornou-se Papa, adoptando o nome de João XXI. É legítimo considerá-lo como o primeiro médico a ter lidado com problemas urológicos na sua obra. Enquanto médico e filósofo português do século XIII, ganhou notoriedade pelos seus tratados de medicina, o melhor dos quais foi “Thesaurum Pauperum” (Tesouro dos Pobres), publicado em Antuérpia em 1497 e várias vezes reeditado. Desconhece-se se a versão original foi redigida em italiano ou em latim, mas foi provavelmente em latim, já que esta era a língua franca entre os eruditos da época.

É-lhe igualmente atribuída a autoria de mais três livros publicados em Lião em 1515: “De Diaetis Universalibus”, “De Diaetis Particularibus” e “De Urinis”. Estas obras constituem uma farmacopeia medieval. Contudo, foi o seu “Thesaurus Pauperum” o mais divulgado, como pode constatar-se pelo número de traduções realizadas: 5 para inglês, 9 para português, 13 para italiano, 17 para francês e 24 para espanhol. Chegaram a ser publicadas várias edições desta obra em Portugal (Lisboa, Braga e Coimbra), Inglaterra (Londres), Itália (Veneza e Florença), França (Paris) e Espanha (Sevilha). Faleceu em 1275, durante o oitavo mês do seu pontificado, sob o reinado do Imperador Rodolfo I, tendo sido sepultado em Viterbo.

João Genovez e António Barroso

Em 1430, sob o reinado de D. João I, exigiu-se que os médicos se submetessem a um exame e fossem aprovados por Mestre Martinho, Físico-Mor do reino, para que fossem autorizados a praticar a sua profissão. Em 1445, foram introduzidas disposições similares para os cirurgiões sob a autoridade do Cirurgião-Mor.

João Genovez (1502) é considerado como o primeiro cirurgião urologista a ter beneficiado da autorização de exercer em Portugal, após um exame presidido por Mestre Gil, Cirurgião-Mor do reino. Foi autorizado a tratar hérnias e a remover cálculos. Embora o tratamento das doenças do escroto e a remoção de cálculos vesicais já fossem autorizados nesta época, desconhece-se se estas intervenções eram realizadas mediante cistotomia.

António Barroso (1526) foi, tanto quanto se sabe, o segundo urologista a submeter-se a semelhantes provas de avaliação e a receber a autorização para tratar hérnias e remover cálculos.

A 26 de Julho de 1559 foi promulgada uma lei segundo a qual ninguém em Portugal poderia ser considerado cirurgião se não tivesse exercido durante pelo menos dois anos no Hospital de Todos os Santos.

É nesta época que, pela primeira vez, são referidas mulheres em actividades médicas, em relação com o tratamento de doenças renais e uretrais. Entre elas contam-se Margarida Dias (1542) de Setúbal, Antónia Robalo (1555) de Lisboa, e Isabel Gonçalves (1609) de Redondo.

João Rodrigues de Castelo Branco (Amato Lusitano)

Amato Lusitano nasceu em Castelo Branco em 1508 e faleceu em Salónica 1568, tendo-se formado em medicina em Salamanca aos 18 anos de idade. Regressou a Portugal em 1529, e iria tornar-se o mais respeitado médico português do século XVI e um dos primeiros urologistas. Realizou intervenções cirúrgicas importantes, tais como a uretrolitotomia, o tratamento de hipospadias, a uretrotomia externa em casos de obstrução uretral, o tratamento cirúrgico da fimose, do hidrocele testicular e de fístulas recto-vaginais.

O século XVI também viu surgir a Inquisição em Portugal e a expulsão dos judeus. Isto significa que o nosso país perdeu um número apreciável de médicos proeminentes, já que muitos médicos em Portugal eram judeus. Amato Lusitano era de ascendência judaica, de modo que também ele se viu forçado a abandonar o país, tendo viajado pela França e pela Itália. A sua reputação espalhou-se pela Europa, mas apesar das numerosas e interessantes ofertas que recebeu de vários países, incluindo um convite pelo rei da Polónia, elegeu Ancona, em Itália, para residência.

Em finais de 1513 ou princípios de 1534, mudou-se para Antuérpia, onde abriu uma clínica e teve muitos contactos com Erasmo, um médico que ensinava em Lovaina e que, naquela época, era famoso por toda a Europa. Foi igualmente em Antuérpia que Amato Lusitano adquiriu conhecimentos de botânica e publicou o seu primeiro livro “In Dioscoridis anazarbei de materia medica”.

Em 1547 partiu para Ancona, tendo então sido solicitado em Veneza para tratar o embaixador de Carlos V, Diego de Mendonza. Publicou um comentário sobre os dois livros de Dioscórides, e várias edições da sua famosa obra em sete volumes “Curationem medicinalium centuriae septem”, contendo os resultados das suas observações e os seus conselhos médicos. Foram impressos em 1584 e reimpressos em 1617, 1620, 1621, 1628, 1646 e 1654.

Regressou a Ancona para tratar a irmã do Papa Júlio III, mas foi chamado a Roma em 1550 para colaborar com André Laguna no tratamento do próprio Papa Júlio, que padecia de uma doença respiratória.

Em 1552 regressou a Ancona. Gozava de grande fama como médico, mas também como botânico, e realizou dissecções, quer em animais, quer em cadáveres humanos. Nas suas obras publicadas, fez referência à incontinência urinária subsequente a luxações vertebrais, podendo esta ser considerada como a primeira referência a bexiga neurogénica.

Amato escreveu o seu famoso Juramento em 1559: “Juro por Deus eterno e pelos seus sagrados mandamentos entregues ao povo Hebreu sobre o Monte Sinai através de Moisés, após o seu cativeiro no Egipto, que na minha clínica nada mais fiz do que promover e enaltecer a fé através da aquisição de conhecimento.” Mas a sua obra-prima foi publicada em 1552: “Tratamento das Estenoses Uretrais”, graças à qual ganhou renome mundial.

Pelo facto de professar a religião judaica, foi de novo perseguido em Pesaro e Ferrara, e mudou-se para Tessalónica, onde foi vítima de peste em 1568. Max Salomon considerou-o um anatomista e clínico erudito e um dos mais ilustres representantes da medicina do século XVI.
Alguns autores defendem que ele tenha aprendido a sua técnica de Alderete, um famoso médico de Salamanca, mas Silva Carvalho não concorda, e afirma no seu livro que Amato foi o inventor do método. Este viria posteriormente a ser introduzido por toda a Europa por um português, Filipe Velez (mestre Filipe ou Filipe Lusitano), que foi até Roma e alcançou grande fama nas capitais europeias. Era tido como o inventor de sondas dilatadoras feitas de cera e conhecidas como “velas dilatadoras”, usadas para dilatar as estenoses uretrais.

Na transição entre os séculos XV e XVI, as cistotomias eram realizadas por barbeiros, que transmitiam a sua perícia cirúrgica aos filhos.

João Rodrigues de Castelo Branco (Amato Lusitano)

Zacuto Lusitano nasceu em Lisboa. Estudou filosofia e medicina em Salamanca e Coimbra, tendo concluído os seus estudo na Universidade Siquenza. Regressando a Portugal, passou dois anos em Coimbra, tendo-se mudado para Lisboa em 1598, onde praticou medicina durante quase 30 anos. Em 1625, a perseguição aos judeus em Portugal levou-o a fugir, e foi primeiro para Espanha, e depois para Amesterdão, onde colheu grande reputação como clínico. Lorain descreveu Zacuto como “um dos mais eloquentes médicos do seu tempo; os seus comentários dão-nos uma boa ideia da sua grande habilidade”. Zacuto foi o médico português mais proeminente do século XVII.

Publicou dois volumes registando a experiência dos principais médicos do seu tempo, o primeiro dos quais foi “De Medicorum Principum Historia Libri Sex” (1629). O segundo surgiu em duas partes: “Praxis Historica” e “Praxis Admiranda” (1634). Zacuto escreveu igualmente dois volumes de observações sobre hermafroditismo, casos de litíase e de tumor vesical, e um cálculo que obstruia a uretra, num doente que recusava a ser operado, e que foi resolvido pela desintegração do cálculo com socos!

Urologistas do Século XVII ao Século XIX

A cirurgia e, naturalmente, a Urologia, não foram praticadas em Portugal antes do século XVI. Quando Portugal se encontrava sob domínio árabe, os que extraiam cálculos vesicais eram considerados com grande desdém; por conseguinte, as únicas litotomias realizadas nos países sob domínio árabe eram-no por estrangeiros. Além disso, o Juramento Hipocrático referia que os médicos “não devem sequer cortar os pacientes com cálculos vesicais”. São estes os motivos pelos quais os médicos medievais não praticavam intervenções cirúrgicas inclusivé cistotomias. Só a partir de 10 de Janeiro de 1577 é que os litotomistas e tratadores de hérnias passaram a ser oficialmente reconhecidos pelo rei D. Henrique III e, no primeiro quarto do século XVII, um cirurgião chamado Francisco Guilherme praticou uma cistotomia em Portugal. Ainda ao longo deste século, Rodrigo da Fonseca, urologista e professor em Pisa e Pádua, publicou os seus conhecimentos urológicos em “Consultorium Medicinalium” (1625), no qual faz referência a diversas doenças, entre as quais a incontinência urinária nocturna (enurese) e a incontinência urinária por regurgitação.

Na segunda metade do século XVII, assistiu-se à introdução da punção vesical, da incisão dos abcessos perinefríticos, da cistotomia, da dilatação uretral e da uretrotomia, mas só no século XVIII é que a era da moderna cirurgia começou a ver o dia em Portugal.

Francisco Morato Moura (1656) evoca a morte do Rei de Portugal, D João IV, por anúria consecutiva a uma cólica. O rei sofria de gota, e o problema fora interpretado como sendo uma obstrução uretérica unilateral, causada por um cálculo úrico. O tratamento prescrito ao rei reveste-se de interesse histórico: duas purgações, três banhos, água de ananás, sangria por sanguessugas e por escarificação, com aplicação de ventosas, e comprimidos de ferro “milagrosos”, não tendo nenhum destes tratamentos conseguido que o cálculo fosse expelido.
Tomaz Rodriguez (1668) tratava os cálculos localizados no colo vesical mediante cateterização com uma haste ou dilatação com vela dilatadora.

A 15 de Maio de 1492 começaram as obras de construção do Hospital de Todos os Santos, e em 1620 o hospital já acolhia 600 pacientes. Este hospital desencadeou o progresso da cirurgia em Portugal, e proporcionou os fundamentos da cirurgia tal como viria a ser praticada e ensinada nos Hospitais Civis de Lisboa, primazes na formação dos cirurgiões até ao século XIX. O Hospital de Todos os Santos (1565-1775) era então o único centro anatómico e cirúrgico do país, e todos os cirurgiões desejosos de exercer tinham primeiro de ser aprovados num exame cujo júri era nomeado pelo Cirurgião-Mor. O hospital ficou em grande parte destruído por um enorme incêndio em 1750, e um segundo incêndio destrui-o completamente em 1755, consecutivamente a um terramoto. O colégio de Santo Antão veio substitui-lo, até à expulsão dos judeus pelo Marquês de Pombal (1759). O edifício foi então adaptado para ser utilizado como hospital, recebendo o nome de Hospital de S. José em honra do rei D. José (Abril, 1755); os pacientes de Santo Antão foram transferidos para o novo hospital em 1776.

A Reforma Universitária de 1772 iniciou um periodo de avanços na medicina e cirurgia portuguesas. Em 1691, o curso de cirurgia durava cinco anos e incluía um curso de treino prático nas enfermarias.

No seu livro “Cirurgia Reformada” de 1715, Feliciano de Almeida faz referência à gonorreia virulenta e identifica-a assim como à sífilis. Tratava as estenoses uretrais por meio de um “cisório”, que consistia num catéter contendo um fuso em prata com uma extremidade cortante, com o objectivo de cortar a zona de estenose de modo a corresponder a uma uretrotomia interna. Diz-se que a primeira litotomia perineal foi realizada por Feliciano de Almeida.

João Vigier (1715) publicou uma tradução do trabalho de Leclerc, “Cirurgia Anatómica Completa”, no qual são abordadas as doenças venéreas, os cálculos uretrais e vesicais, e a litotomia perineal.

Curvo Semedo (1720) utilizava sumo de limão para prevenir a litíase. João Lopes Correia (1726) escreveu acerca do tratamento das feridas do membro masculino, referindo que “tenho cortado muitos membros de tal modo que a porção saudável subsista”. Isto pode levar a pensar que o cancro do pénis era frequente, e o autor registou que “num só dia cortei quatro”.
António Gomez Lourenço (1754) recorria à laqueação das veias para tratar o varicocele e a substâncias cáusticas no tratamento do hidrocele.

Luis Gomes Ferreira (1735) tentou curar a doença de Ducrey com limão e pó de cacto, ou com vitríolo, como descrito no seu livro “Erario Mineral”.

No final do século XVIII ocorreu uma notável evolução no campo da cirurgia urológica, com a publicação dos trabalhos de Sharp (1773), Bourru (1794), Foart Simons (1794) e Benjamin Bell (1804).

No século XIX, Francisco Xavier de Oliveira trouxe do Pará (Brasil) para Portugal a sua experiência na confecção de sondas de cera, elásticas. O hidrocele era tratado mediante uma incisão e subsequente polvilhação da superfície vaginal interna com farinha de trigo, ou seguindo o método de António de Almeida (1800), de uma punção seguida da injecção de uma solução aquosa. O hematocele era curado por meio de uma simples incisão para drenagem. A cistotomia era realizada recorrendo a uma abordagem suprapúbica e, no mesmo ano, descreveu a sua intervenção para a uretrotomia interna e a cistotomia no seu “Livro de Cirurgia”.

O ano de 1825 viu nascer a Real Escola de Cirurgia no Hospital de S. José em Lisboa e no Hospital da Misericórdia no Porto.

No mesmo ano, Souza Lopes realizou a primeira nefropexia.

Em 1855 e 1856, foram realizadas 28 cistotomias no Hospital de S. José em Lisboa: 26 em homens, com 17 curas e 9 mortes e duas em mulheres, com 1 morte.

Urologistas do Século XVII ao Século XIX

Em 1907, Augusto Vasconcelos realizou a primeira nefrolitotomia e, no mesmo ano, Carlos Santos apresentava a primeira radiografia de litíase do aparelho urinário (mostrando um cálculo renal).

As universidades de Lisboa e do Porto foram fundadas em 1911, juntamente com duas novas Faculdades de Medicina.

O primeiro professor no Porto foi o Dr. Azevedo Albuquerque, a quem sucedeu, em 1917, Oscar Moreno, que publicou os seguintes trabalhos:

  • “Volume des urines et concentration maximale. Signification diagnostique de la pyurie”, em colaboração com Heitz Boyer, Presse Médicale, 29 de Março de 1911;
  • “Des injections de pâte bismuthée en chirurgie urinaire”, em colaboração com Heitz Boyer, Anal. des mal. des voies urinaires, nº 11, 1910;
  • “Comparaison du fonctionnement rénal avant et après la néphrectomie”, em colaboração com Chevassu, Revue de Gynécologie, 1911.

Sena Pereira realizou a primeira pielolitotomia através de uma abordagem posterior e, em 1922, Henrique Bastos procedeu à primeira pielolitotomia através de uma abordagem anterior, seguida, no mesmo ano, pela primeira ureteropieloplastia.

A Associação Portuguesa de Urologia foi fundada a 15 de Novembro de 1923, e Artur Ravara foi o seu primeiro Presidente.

Sabino Coelho administrou a primeira anestesia espinhal, tendo apresentado o seu trabalho no 7º Congresso da Sociedade Alemã de Urologia em Viena de Áustria.

A primeira urografia em Portugal foi realizada em 1930 por Reynaldo dos Santos, que inaugurou assim a idade de ouro da urologia portuguesa.

Reynaldo dos Santos propôs, pela primeira vez na história da Urologia, a nefrectomia adiada no tratamento da tuberculose, em contradição com a nefrectomia imediata defendida por Albarran.

No 6º Congresso da Sociedade Internacional de Urologia, em Viena, em 1936, foi galardoado (Reynaldo dos Santos) com a Medalha de Ouro da Sociedade pela maior contribuição para a urologia naquela época: a aortografia.

Alguns vultos que contribuíram para a História da Urologia Portuguesa até 1950 ?

Petrus Hispanus ou Pedro Hispano

João Genovez

Garcia de Orta

Amato Lusitano (João Rodrigues de Castelo Branco)

Zacuto Lusitano (Diogo Rodrigues Zacuto)

Feliciano de Almeida

Ribeiro Sanches

Manuel Alfredo da Costa

Artur Ravara

Angelo da Fonseca

Henrique Bastos

Reynaldo dos Santos

Oscar Moreno

Morais Zamith